domingo, 29 de abril de 2012

Uma mulher sozinha na lua nova

(antenor emerich)

Ela chegou de repente, como sempre. Ou “divereda” como costumávamos dizer quando crianças. Dá voltas pela quadra, de modo a se certificar de que estou só. Põe o carro, preto, atrás da casa, desliga o celular e o deixa no antigo porta luvas. Esguia e loira, entra e beija minha boca imóvel. Tirando o casaco caminha pra sala. “sabia que estaria em casa, você nunca sai”, diz, parando em frente ao computador. “que estais fazendo?”. Não gosto quando ela aparece assim. “vou assistir a Garota da tatuagem de escorpião”. Pego outro copo e encho de vinho tinto seco e pego outra barra de chocolate. Adoro o gosto de vinho seco com chocolate.
“Pode ser que você goste do filme”, digo a ela, sabendo que ela detesta qualquer filme. Deito no sofá aberto no meio da sala, com cobertores e travesseiros espalhados. Arrumo alguns ao lado, ela deita, eu aciono o player. O filme é melancólico e gótico. A Fran já me avisara que esperava mais do filme, e fico curioso sobre isso também. Ela fica imóvel no sofá como se fosse uma boneca, respira lentamente e posso sentir o coração dela acelerado. Não movo um músculo e não tiro os olhos da tela grande. Durante a cena do estupro ela levanta. Pega o casaco. Rapidamente paro o filme, não quero perder nem uma cena, e não gosto de voltar atrás para ver cenas perdidas. “Tu vai mesmo ver este filme, não é?” Continuo sem dizer nada, pego a carteira de cigarros. Ela abre a porta e sai. Quando entra no carro eu fecho  porta e apago o cigarro no banheiro. Ela acelera com raiva e eu me sinto estranhamente vingado. Dou um sorriso de satisfação e aperto “play”.
Quando termina o filme entendo que a Fran queria que o jornalista se apaixonasse pela garota que acreditou que um burguês pudesse levar a sério uma relação improvável, em uma sociedade que vive meramente de aparências.

Um comentário:

Francielly Caroba disse...

Muito familiar...
“Os homens que não amavam as mulheres”

Defeito
Esperar mais... O improvável