quarta-feira, 25 de junho de 2008

Integral


Por todas as eras andei errante para entender
Fui assim, por mim, mais que de mim esperaram
Menos do que me avisaram.

Ultrapassei todos os limites e nunca segui a caravana por muito tempo.
Troquei o cetim dos palácios por pedras frias em cavernas
Lindas mulheres em camas quentes e vinho bom
Pelo sereno frio e o vinho seco das tabernas imundas.

Ignorei as salas suntuosas dos graduados
Para morrer estripado no campo junto aos moribundos
Para entender a vida tem que sentir a dor.
O gosto do sangue do outro, o gosto da terra.
Sentir seu próprio sangue escorrendo
Sua vida esvaindo, sua cabeça longe do seu corpo pela primeira e última vez.
O gosto da pólvora na garganta
O aço frio penetrando suas entranhas.
O ardente desejo do sexo te fazendo mirar o horizonte na proa alem do furor da procela
Desejando chegar vivo à margem para sentir o gosto de uma mulher em sua boca.

Morrer afogado no mar sem qualquer esperança de ser salvo
Neste momento você descobre que milagres não existem.
Que, se Deus olha, nada faz.

Se você não foi queimado na fogueira, não foi feito em pedaços aos chutes e ponta de faca, você não sabe mesmo o que foi a sua vida.
Se o que você quer em sua vida é muita paz e doçuras, você não sabe viver.
Se temer a dor, se teme a fome, se teme o frio, ainda não viveu. Não entendeu o que é viver.
Você entende o valor de viver depois de passar séculos se culpando por erros em infernos complicados demais para pedir que você imagine.

Lutar até a morte pelo que você acredita e depois descobrir que lutou a vida toda por nada, por mentiras, por mentirosos, trás à sua boca o terrível gosto da decepção.

Das cavernas sai andando pelo mundo, olhando as estrelas e nunca mais parei, e já, tantas voltas pelo mundo dei, que as contas perdi, conheço cada canto deste planeta.
E nestas voltas que no mundo dei eu me montei. Construí-me, me fiz, me inventei.

Ainda há pouco pensava ser muitos; hoje sei que sou um, mas muito grande. Já não tenho medo. Não preciso de ser o melhor.
Me fiz de tudo o que fiz.
Sou feito:
Da curiosidade inocente do homem primitivo
Da reflexão forçada do marinheiro solitário na imensidão do oceano
Do medo constante do fugitivo em florestas traiçoeiras e mortais
Da coragem alucinada de pular um precipício
De morrer para salvar outra vida
Da meditação cuidadosa do filósofo
Da fé raciocinada do Monge
Do sentimento frio do pirata
Da sensibilidade do poeta na lua cheia
Da alegria do cigano ao redor da fogueira
Da determinação férrea do guerreiro em missão de defender a pátria
Do ódio de ver o ser amado ser morto e não poder fazer nada para impedir
Da dor sem fundo da saudade e a impossibilidade de voltar
Da humilhação do mendigo implorando um pedaço de pão
De chorar de saudade, medo e raiva
De morrer calado por orgulho
De matar por ódio.
De perder tudo por amor.
São tantas vidas para construir um ser, que parece não caber tudo em um espírito somente.
Mas venci. Cresci. Amadureci. Integrei-me. Ninguém pode dizer quem sou ou o que devo vir a ser. Sei o que tenho sido e sei o que me tornei...
UM SER INTEGRAL!